sábado, 13 de dezembro de 2008

Kafka à beira-mar

"Por vezes o destino é como uma pequena tempestade de areia que não pára de mudar de direcção. Tu mudas de rumo,mas a tempestade de areia vai atrás de ti. Voltas a mudar de direcção,mas a tempestade persegue-te, seguindo no teu encalço. Isto acontece uma vez e outra,como uma espécie de dança maldita com a morte ao amanhecer. Porquê? Porque esta tempestade não é uma coisa que tenha surgido do nada, sem nada que ver contigo. Esta tempestade és tu. Algo que está dentro de ti. Por isso, só te resta deixares-te levar,mergulhar na tempestade, fechando os olhos e tapando os ouvidos para não deixar entrar a areia e, passo a passo, atravessá-la de uma ponta á outra. Aqui não há lugar para o sol nem para a lua; a orientação e a noção de tempo são coisas que não fazem sentido. Existe apenas areia branca e fina, como ossos pulverizados, a rodopiar em direcção ao céu. É uma tempestade de areia assim que deves imaginar.
E não há maneira de escapar á violência da tempestade,a essa tempestade metafisica, simbólica. Não te iludas: por mais metafisica e simbólica que seja, rasgar-te-á a carne como mil navalhas de barba.
O sangue de muita gente correrá, e o teu juntamente com ele. Um sangue vermelho, quente. Ficarás com as mãos cheias de sangue, do teu sangue e do sangue dos outros.
E quando a tempestade tiver passado, mal te lembrarás de ter conseguido atravessá-la, de ter conseguido sobreviver. Nem sequer terás a certeza de a tormenta ter realmente chegado ao fim. Mas uma coisa é certa. Quando saíres da tempestade já não serás a mesma pessoa.
Só assim as tempestades fazem sentido."

Haruki Murakami

1 comentário:

Rui Valdiviesso disse...

E se sairmos iguais de uma tempestade?